Na dublagem a mais de 34 anos, Márcio Simões já se consolidou no mercado artístico por ser a voz de diversos personagens que marcaram várias gerações como “Aladdin”, “Lilo & Stitich”, “Looney Tunes”, “Os Simpsons” e “Jornada nas Estrelas”. Começando a dublar nos anos 80, virou versão brasileira de atores como Samuel L. Jackson, Will Smith, Alec Baldwin e Bill Murray. Venha conhecer um pouco mais da carreira de Simões!
Com uma carreira bastante extensa, conte-nos um pouco de como foi o seu início no mundo da dublagem?
Assim como muitas crianças, eu gostava de imitar os personagens dos desenhos da minha infância, Pepe Legal, Coelho Bacamarte, Peter Potamus, Leão da Montanha, entre outros. Passava de ônibus com os meus pais na porta dos estúdios da Herbert Richers, na Tijuca e pensava “um dia ainda vou trabalhar aí”. Mas, a vida me levou pra outros lados e eu cursei Engenharia Civil na UFRJ me formando como Engenheiro Civil, trabalhei nas rádios Estácio FM, Roquete Pinto AM e Globo FM. Tive uma banda na adolescência e cheguei a gravar um LP na Som Livre (sou guitarrista e cantor). Até que um dia apareceu um curso de dublagem na Faculdade Estácio de Sá enquanto eu trabalhava na rádio Estácio FM. O curso era ministrado pelo Newton Da Matta (dublador do Bruce Willis e de tantos outros atores). Fiz a inscrição, cursei e, ao final, fui aprovado e comecei a trabalhar na Herbert Richers em 1986 e não parei mais de dublar até os dias de hoje. Completei 34 anos de profissão.
Você é conhecido por ser dublador recorrentes de diversos atores, entre eles o Samuel L. Jackson. Quais são os trabalhos mais marcantes que lembra de ter feito com ele?
Fiz vários filmes dublando ele, mas alguns me marcaram bastante, tanto pela dificuldade como pelo vulto que o personagem ganhou. Se não me engano, o primeiro filme que eu fiz com ele foi o Pulp Fiction, do Quentin Tarantino. O personagem ficou muito conhecido por recitar um Salmo quando matava as pessoas. Até hoje as pessoas me recitam o salmo quando participo de eventos, virou uma referência dessa dublagem. Outro papel que foi muito importante, embora não tenha tido tanto vulto, foi no filme “A Febre da Selva” (“Jungle Fever”) do Spike Lee. Lembro que, na época, a diretora me perguntou qual personagem eu gostaria de dublar no filme, porque o papel principal era do Wesley Snipes, que eu já dublava, fazendo um personagem que aparecia bastante e, consequentemente, seria mais vantajoso financeiramente do que o do Samuel L. Jackson. Eu preferi dublar o do Samuel depois que ela me contou sobre a interpretação que ele empregou no personagem. Era um viciado em crack, batia na mãe pra tomar dinheiro pra se drogar e, no final, o pai, que era pastor na congregação deles, mata o filho quando chega em casa e o vê batendo na mãe atrás de dinheiro. O Samuel deu um show nessa atuação. Outro papel dele que gostei muito de fazer, além do Nick Fury, é claro, foi o que ele fez no filme “Django Livre” (“Django Libre”) também do Tarantino, em que ele estava caracterizado como mordomo na mansão do Leonardo Di Caprio, no velho oeste americano. Foi um outro show dele, sensacional. Outros dois que não poderiam ficar de fora são Corpo Fechado (Unbreakable) e Vidro (Glass) nos quais ele interpreta o Elijah Price.
No seu currículo temos diversos clássicos infantis, entre eles o Gênio de Aladdin. Como foi fazer esse personagem?
Quem fez a voz no original foi o Robin Williams. É preciso dizer mais alguma coisa? O Gênio foi inspirado no Robin Williams, as expressões que ele fazia enquanto interpretava foram filmadas e usadas pelos desenhistas para criar a animação. Ele escandalizou, no melhor dos sentidos, com tanta criatividade e interpretação, fazendo várias imitações de personagens da televisão e do cinema americanos. E, exatamente aí, pairou a grande dificuldade, porque o diretor de dublagem, Telmo Perle Munch, que também era o tradutor e adaptador do texto, foi me orientando em como fazer pra trazer tudo aquilo pra nossa realidade. Então, várias imitações que o Robin fez, nós tivemos que adaptar, porque não tínhamos, por exemplo, a referência de como seria a voz do David Letterman em português e de outros personagens que não eram tão conhecidos aqui no Brasil. Com relação, por exemplo, ao sotaque escocês do cachorro que ele faz, tivemos que alterar a fala, se não me engano colocamos “Vem aqui Rin-Tin-Tin”, que era uma referência que nós tínhamos como empregar e ganhar algum sentido numa versão dublada em português. Na época, a tecnologia disponível era analógica, não se gravava no computador, como hoje em dia, e sim, em fita, com um canal com o som original e outro livre pra dublagem, Então, nas sequências em que ele fazia várias imitações em sequência e num ritmo bastante intenso, eu dublava um personagem e pulava um, pra dar tempo de preparar a próxima voz que eu teria que fazer. Depois, voltava e preenchia as lacunas, ou seja, dublava os personagens que eu tinha deixado de fazer. Mas, no final, o resultado ficou bastante legal.
E aí, então, 27 anos depois, vem o live action que me proporcionou outra experiência igualmente rica. Will Smith interpretando o papel do Gênio! Como tenho emprestado a minha voz pro Will em vários filmes (mais de 20), fui convidado pra fazer um teste de voz e canção. Uma vez aprovado, realizar esse trabalho foi intensamente incrível, foi uma nova ¨pegada¨ de interpretação. O Gênio do Will Smith ganhou uma personalidade inédita e marcante na atuação dele. Cantar as músicas em ¨rap¨ me exigiu um pouco mais de swing e versatilidade. Também fiquei bastante satisfeito com o resultado ao final.
Nos games, tivemos a sua voz em League of Legends no papel de Fiddlesticks e Shaco. A experiência nos jogos é diferente dos filmes e séries?
É bem diferente, porque nos games (onde a dublagem se chama “Localização “, porque é feita de acordo com a língua e os costumes de cada local), nós dificilmente temos as imagens prontas para dublar, como nos filmes, animações e séries. Em parte, por conta da prevenção contra a pirataria, porque o game ainda está em desenvolvimento durante a localização, ainda não foi lançado e qualquer vazamento de informação pode ser prejudicial para o sucesso do game. Logo, nós não temos referência visual, somente o áudio original. Algumas vezes, os chamados “cut scenes”, que são como filmes dentro do game, já estão renderizados, e nós dublamos com imagem, mas em geral, não. Então, nós temos que imaginar como a cena vai ser pelas orientações do diretor e pelo que o ator original fez tendo como referência apenas a voz dele. Quando os “cut scenes” ainda não estão prontos, é mais difícil ainda, porque vai ter uma imagem com o personagem ¨batendo boca¨, então, temos que sincronizar com o áudio original e com as waves (ondas) que aparecem na tela do computador nos programas de gravação. Nas cenas chamadas “in-game”, que acontecem durante o jogo, dificilmente dá pra ver a boca mexendo, e aí o processo de dublagem fica um pouco mais facilitado. Nesses momentos, basta seguir a interpretação do ator sem tamanho compromisso com o sincronismo.
Quais os conselhos que daria para quem deseja iniciar na dublagem?
A dublagem não é uma carreira muito fácil, tem que ter muita dedicação e fazer uma formação em teatro primeiro, já que a dublagem é uma especialização da carreira de ator. Depois, fazer um curso de dublagem pra aprender a técnica de sincronizar as falas e interpretar com naturalidade, não deixando que as pessoas percebam que está dublado. Tem que parecer que o ator está falando em português. Isso leva alguns anos pra ser alcançado; na verdade, essa é a meta da dublagem, quanto mais natural, melhor. Isso vem com a prática, assim como em qualquer profissão. Na dublagem, a concorrência é muito grande, já que são muitos dubladores, vários com a mesma região vocal, ou seja, pra um personagem, existem vários dubladores com uma voz que combina com o ator na cena, logo, pra conseguir ser escalado para fazer o papel, não é tarefa simples. Tem que mostrar que consegue dublar com naturalidade e sem gastar muito tempo, já que dublamos sempre “contra o relógio”: pra cada cena de vinte segundos, temos três minutos pra ensaiar uma, duas, até três vezes, dublar e refazer caso não tenha ficado bom de início. Parece que é muito tempo, mas na prática, não é, passa muito rápido se você não for objetivo. Com a prática, você começa a perceber o que tem que fazer mais rapidamente, e isso ajuda muito. Lembrando que não levamos o texto pra casa pra estudar ou decorar, tudo é feito na hora, no estúdio.
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Eu estou nessa profissão há 34 anos porque eu me encontrei nela. Fiz Engenharia, fui locutor, músico, mas estou nela até hoje porque eu gosto muito, não apenas pra ganhar dinheiro e sobreviver, mas para entreter vocês e, consequentemente, me sentir realizado com a alegria que vem de vocês de retorno. Se você realmente gosta de alguma coisa, vá atrás disso até conseguir e, depois de conseguir, continue se aprimorando e estudando bastante para entregar sempre um bom resultado.