Crítica: Bird Box (2018)

A Netflix tem investido pesado em produções originais. Algumas deixam bastante a desejar, enquanto que outras são bem interessantes. Podemos dizer que Bird Box, a despeito de alguns defeitos, enquadra-se nessa segunda categoria.

O filme conta com um elenco ótimo, com a presença de Sandra Bullock, John Malkovich e Sarah Paulson, por exemplo. Nesse sentido, só por isso já teria tudo para ser excelente. Entretanto, com exceção de Sandra e de John Malkovich, o resto do elenco é para lá de mal aproveitado, sobretudo Sarah Paulson, que é uma excelente atriz, porém foi subutilizada.

Seguindo essa linha de argumentação, os únicos personagens que tiveram uma construção mais elaborada, evidenciando profundidade e complexidade, é Malorie, a protagonista interpretada por Sandra Bullock e Douglas, interpretado por John Malkovich. O restante dos personagens são bastante fracos, insípidos e lotados de clichês.

Douglas é o único dos coadjuvantes o qual fica mais evidente as suas motivações, os sentimentos, as camadas de sua personalidade. Ele exibe uma carapaça durona,como se fosse alguém egóico e insensível, mas mesmo com sua aparição secundária é possível vislumbrar as razões que o levaram a ser assim.

Dito isso, a personagem de Sandra Bullock também possui uma construção razoável. Podemos observar o conflito da personagem com a questão da maternidade, o que é bastante interessante para quebrar aquela visão idealizada e romântica da mesma.

O que careceu para deixar a construção da personagem Malorie mais redondinha foi elucidar como e por que Malorie era anti social e solitária. Essa é uma pergunta que ficou no ar.

Na realidade, diversas perguntas ficam no ar e não no sentido bom da coisa, o que se constitui no grande defeito de Bird Box: faltam explicações, sobram lacunas e pontas soltas.

É interessante pontuar que normalmente em um filme apocalíptico/pós-apocalíptico um dos principais elementos é explicar, ainda que minimamente, como tudo chegou ao ponto que chegou, ou melhor dizendo, o que causou a tragédia toda e se há alguma cura ou forma de combater. Porém isso não ocorre em Bird Box, o que se constitui em um ponto negativo.

Mas obviamente o filme tem diversos pontos positivos, o que faz dele um bom filme. A narrativa é construída de forma engajadora e persuasiva, prendendo o espectador e deixando-o ansioso com o que pode acontecer e curioso para entender o que houve.

A obra é toda trabalhada em cenas do momento presente e flashbacks. Mostra-se o presente e depois o tempo todo ocorre esse movimento de vai e volta entre o passado e presente, sendo feito do jeito e ritmo correto, conferindo dinamismo ao filme.

Cabe aqui um destaque para a atuação de Sandra Bullock, que dá o tom perfeito a personagem.

Um dos maiores trunfos do filme é a criação do clima de suspense e mistério. O filme gera uma tensão constante, fazendo-nos imergir nessa história e partilhar das emoções.

O “monstro” que causa todo o terror não é mostrado, em nenhum momento, elaborando um terror psicológico de primeira. Não se vê, mas se sente sua temível presença e isso só basta para nos deixar apreensivos.

A nível de explicação, a premissa de Bird Box é a seguinte: um mal alienígena toma conta de Terra. As pessoas que observaram o tal monstro eram acometidas subitamente por uma espécie de loucura e paranóia, que faz a grande parte delas cometer suicídio e, em alguns casos, entrar em uma mistificação doida e cometer homicídio. Ninguém sabe o que é e como surgiu, apenas que se olhar para a tal coisa, a pessoa se mata.

Isso força as pessoas que querem sobreviver a usar maiormente seus outros sentidos, a fim de sobreviver nesse mundo pós-apocalíptico. Mas o poder do monstro não reside “apenas” na visão fatal que se tem, mas pelo fato de que ele consegue instigar a pessoa a cometer suicídio usando dos próprios traumas, medos, problemas e sofrimentos do indivíduo, forçando-a a entrar numa espiral veloz e caótica de pensamentos e sentimentos, que mexem profundamente com a pessoa.

Bird Box é um filme sobre a sobrevivência. Evidencia uma luta não só contra um mal em si (encarnado na entidade alienígena) mas também contra a maldade humana e os malefícios que somos capazes de infligirmos a nós mesmos.

Além disso, Bird Box promove uma instigante reflexão sobre a deficiência;não só sobre o que seria a deficiência, mas como nossa compreensão reducionista e limitada dela muitas vezes faz com que não entendamos outras formas de ver e ler o mundo e a realidade que nos cerca.

Isso fica mais evidente no final, quando Mallorie e as crianças finalmente chegam na comunidade escondida na mata. O grande plot twist, nesse finalzinho, é que boa parte das pessoas da comunidade são deficientes visuais e por essa razão não foram afetadas do mesmo modo que as demais pessoas. Em outras palavras, o que era encarado como deficiência em um mundo tradicional, acabou sendo a ferramenta de sobrevivência nesse mundo pós apocalíptico.