Crítica: Green Book – O Guia (2018)

O Oscar 2019 possui em seu escopo de indicados alguns excelentes filmes que tocam na questão da representatividade negra e do racismo, como Pantera Negra e Se a Rua Beale Falasse, por exemplo. Esses dois, aliás, são dirigidos por pessoas negras, que possuem propriedade e lugar de fala dentro da temática, abordando os assuntos de forma profunda e autêntica. Green Book, apesar de ser um bom filme, quiçá por ser dirigido por pessoas brancas, acaba pecando e sendo problemático em diversos aspectos.

Infelizmente é bastante recorrente em filmes que abordam o racismo dar uma certa amenizada, uma suavizada no assunto, abordando tudo com menos violência, tentando camuflar um pouco toda a brutalidade e crueldade daquilo que se constitui em racismo. E esse é o caso de Green Book.

É importante pontuar que o filme é sim, bom, contudo é bastante problemático. Ele se constitui no típico “feel good movie”, ou seja, um filme construído de forma a provocar um bem-estar no espectador. Queremos ressaltar que não há nada contra os “feel good movies”.São bons e até mesmo necessários.

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Entretanto, é complicado, controverso e até mesmo equivocado valer-se desse modelo de narrativa em determinadas temáticas e questões. Vejam bem: Green Book é ambientando nos Estados Unidos da década de 60, quando a segregação racial ainda era legalizada nos Estados Unidos e a luta pelos direitos civis dos negros estava a todo vapor. Quem conhece esse período sabe o quanto ele foi brutal para as pessoas negras, repleto de tensão e perigos.

Sendo assim, torna-se inverossímil e até mesmo desonesto determinadas coisas que Green Book faz. O filme mostra sim, o racismo da época e sobretudo de um dos protagonistas, Tony Vallelonga, ou simplesmente Tony Lip (interpretado por Viggo Mortensen). Contudo, ele acaba suavizando isso em muitos momentos e, tão ruim quanto, tenta justificar o racismo exibido pelo personagem.

Além disso, o tom conciliatório no que toca ao racismo é profundamente incômodo, como se fosse simples, ainda mais numa época como aquela, as questões raciais serem resolvidas tão facilmente.

Dito isso, com relação aos pontos positivos da obra, podemos citar uma quebra de estereótipos no que toca ao personagem Dr.Shirley, interpretado por Mahershala Ali. Em muitos filmes com personagens negros, os mesmos são retratados como pessoas incultas, sem classe, sem rebuscamento, vulgares, desprovidas de educação e sem dinheiro. Em Green Book, Dr.Shirley é mostrado como alguém com um altíssimo nível cultural, super refinado, incrivelmente educado e muito bem de vida.

Vale colocar aqui que a atuação de Mahershala Ali, um tanto quanto diferente em Moonlight, por exemplo, está ainda melhor, sendo capaz de dar o tom perfeito ao personagem.

Outro ponto positivo é a atuação excelente de Viggo Mortensen. Ao contrário do personagem de Mahershala, o personagem de Viggo Mortensen é uma caricatura, um estereótipo do típico carcamano, descendente de italianos. Todavia, por mais estranho que possa parecer, isso não se torna um ponto negativo, pelo contrário. Acaba servindo aos seus propósitos, acentuando as questões sociais abordadas e ajudando a quebrar ainda mais o estereótipo normalmente aplicado nos personagens negros, comparando-se com o Dr.Shirley.

A química entre Viggo e Mahershala funcionou perfeitamente e apesar da lógica do odd couple ser um clichê no cinema, acaba funcionando muito bem em Green Book, graças sobretudo às ótimas atuações de Mahershala e Viggo e as interações entre ambos os personagens.

Mais um ponto positivo a ser levantado é que, apesar de todas as controvérsias e problemáticas, ao contrário do que ocorre em Histórias Cruzadas por exemplo, Green Book foge da lógica do “branco salvador”.

Green Book vale a pena ser visto, a despeito de todas as ressalvas.